Como a Suprema Corte americana admite que neonazistas falem pela supremacia branca?
agosto 18, 2017Como a Suprema Corte americana admite que neonazistas falem pela supremacia branca?
Por Justificando
“Como um país verdadeiramente democrático pode permitir que grupos de indivíduos venham a público defender a ideia de supremacia branca?”. A questão volta aos debates após Charlottesville, uma cidade de 45 mil habitantes na Virgínia, Estados Unidos, sediar uma marcha de neonazistas e supremacistas brancos no sábado (12).
Com discursos abertamente racistas, a marcha “Unite the Right” (Unir a Direita) reuniu diversos extremistas do grupo “alt-right” (direita alternativa) e da Ku Klux Klan (KKK), que foram até as ruas com armas e escudos para defender uma “nação mais branca” e manifestar contra a imigração. Manifestantes contrários a marcha, como o grupo “Black Lives Matter” (Vidas Negras importam), também foram às ruas e houve confronto, que deixou uma mulher morta e mais de 20 feridos.
Quando finalmente se pronunciou na terça-feira (15), o presidente americano Donald Trump afirmou que “há culpa dos dois lados”. A atitude do presidente, no entanto, além de gerar mal estar entre políticos, ativistas e principais empresários do país, levantou o questionamento sobre como a Suprema Corte Americana lida o discurso da liberdade de expressão.
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O Justificando convidou o professor Doutor em Direito Constitucional por Harvard, Adilson José Moreira, para explicar o funcionamento da Corte perante a circulação de discursos de ódio. De acordo com Moreira, a Suprema Corte Americana utiliza algumas doutrinas para avaliar se um determinado discurso viola ou não a Constituição da República. Vamos a elas:
1. Autonomia pessoal
Entre as teorias adotadas pelo direito norte-americano para permitir discursos pela supremacia branca, Moreira começa a explicar pela questão da autonomia pessoal. Segundo esse pensamento, os cidadãos americanos precisam tomar decisões importantes em suas vidas, como por exemplo, decidir em quem votar. Sendo assim, a possibilidade de escolha adequada de exercício correto do direito de voto exige o acesso a diferentes discursos. Outras pessoas afirmam que ‘a ideia de liberdade de expressão tem uma significação muito maior’, porque estaria relacionada com a noção de governabilidade. E é exatamente por isso que a circulação de ideias permite a tomada de decisões que atendam da melhor forma os interesses dos diferentes grupos que existem dentro da sociedade.
2. Mercado de ideias
No início da década de 80, o ministro Antonin Scalia, da Suprema Corte norte-americana, disse em uma decisão que “nós devemos ver a esfera pública como um mercado“. Seguindo essa lógica, quando vamos ao mercado, compramos determinadas mercadorias e deixamos outras porque elas não atendem nossas necessidades. Ora, o espaço público funciona da mesma forma. E sendo assim, entende-se que diferentes discursos, mesmo os de ódio ou que ofendem um determinado grupo, devem circular, pois segundo Scalia, se algum grupo social se sente ofendido pela circulação desses diferentes discursos, deve-se produzir outro para combater.
Porém, essa ideia de Scalia tem sido duramente criticada por vários constitucionalistas, isso porque o mercado não funciona exatamente de acordo com a lógica defendida por Scalia. “No mercado existe o monopólio e cartel. As pessoas e empresas não detém o mesmo poder e a mesma coisa acontece também dentro do sistema democrático”, explica Adilson.
E continua, “os grupos sociais não têm a mesma possibilidade de criar, produzir e circular discursos. Portanto, o discurso de ódio produz sempre danos às pessoas. E como minorias raciais não detém poder político, elas nunca terão a possibilidade de criar discursos que combatam de forma efetiva os estigmas que são produzidos por membros de grupos dominantes“.
3. Reconhecimento
Para alguns ministros da Suprema Corte, atualmente uma minoria, a circulação de discurso de ódio traz consequências significativas e materiais para as pessoas. Uma dessas consequências é a dificuldade das pessoas reconhecerem os outros como membros que podem participar de forma efetiva dentro do espaço público.
Moreira afirma que está “inteiramente convencido de que o direito a liberdade de expressão também precisa ser limitado. E esse limite está exatamente na dignidade da pessoa humana“.
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